Enrolou-se desengonçadamente no lençol e foi até o banheiro. Na penumbra seu reflexo no espelho lhe rendeu uma boa sensação, toda imagem era multitransformável às 5horas da manhã – e para ela a manhã era sempre um grande banquete de vida. Em menos de 15 minutos estava completamente inteira no meio da rua, abrindo as janelas da mente que começavam com partes do sonho e desmembravam-se em outras tantas coisas desconexas e glamorosas. O ônibus pela manhã lhe parecia um vasto mundo dela mesma, milhares e milhares de variações de uma vida, a criança de ontem, a mãe de alguém parecia com a mãe de outro alguém, o idoso de amanhã, o rapaz estudando era uma transmutação, o outro rapaz dormindo era um presente, a moça perdida não lhe era estranha, o motorista era novo, o trajeto era novo também, a chegada era sempre a mesma. Tentava ler um trecho no livro de uma passageira “E havia um meio de ter as coisas sem que as coisas a possuíssem? ...” quando hesitou por um instante no último ponto da Avenida D, mas por fim o seu eu automático já estava ligado e levou-a embora do banquete diretamente para o vazio das quatro paredes que dão valores aos espaços.