Trafegando conforto pela larga avenida, recostado ao carro possante e luxuoso, sob um Beethoven incisivo, nem se importou com os costumeiros engarrafamentos da metrópole. Os sinais vermelhos eram preferíveis para que apoiasse sobre o punho cerrado o queixo pensativo. E até se perdia quando abriam os faróis, levando duas ou três buzinadas de graça. Enfiado ainda no dia de trabalho, era capaz de voltar todo o percurso para casa sem quase noção de tempo. E chegava quase duas horas depois, sem notar a noite, a fome, a esposa e os filhos. Não bastava que não os notassem: exceto a noite, o resto era ausência. Os imbróglios na agência bancária embrulhavam-lhe o estômago, a carreira da esposa emplacava a ponto de tomar-lhe o tempo de mãe e as crianças já eram adultas. Restava-lhe enfiar a maleta sobre a cadeira e se esparramar cama abaixo sem paradas. Desafrouxa a gravata, arranca paletó e camisa do tronco que cuidava nas piscinas, arranca os sapatos com os pés, as meias com as mãos e deixa cair calças e cinto de uma vez, desabando sobre os lençóis limpos que a empregada deixara dobrado. O perfume da lavanda nos travesseiros dispara no homem a lembrança do suor impregnado no rosto e acha que precisa de um banho para evitar confronto com a mulher. Não tem forças para levantar, mas a consciência fica rodeando, indo e vindo e não consegue dormir como pretende. Os olhos ardem e não sabe do que: se da fuligem do dia, do cansaço no trabalho ou do sono arrebatado. Vai-se rabugento para o chuveiro como se a mulher o mandasse, abre mais a água fria que a quente, esfrega o corpo nervoso e nem se demora para vestir qualquer short de seda que encontra pela frente, vencido por um quê de calor ou nervoso que não sabe explicar. Volta para o mesmo lugar, o mesmo lençol, a mesma lavanda e finalmente se sente desimpedido para o descanso dos justos.
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Paulo Sartoran
A moça subiu as escadas, levava um cigarro na mão esquerda, tinha o olhar vago e parecia ter muitas coisas para pensar, impressão que se agravou quando ela sentou no meio fio.
Era uma tarde fria, mas de sol imponente e as pessoas que passavam naquela rua tinham quase todas o mesmo destino: o Restaurante Supius, era o único da região que servia uma comida mais ou menos digna. “Talvez abrir um restaurante aqui daria uma boa renda” foi um pensamento que cortou os outros tantos que ela tentava manter, todos como janelas de Windows abertas paralelamente sem finalidade alguma, mas desfalcando consideravelmente o desempenho do sistema. Assim era sua mente, sempre, um torvelinho de coisas desconexas. Aos olhos alheios parecia sempre estar pensando muitas coisas importantes, para si mesma parecia também sempre estar pensando muitas coisas importantes, mas no fim, colocando em conclusões, tinha a certeza de que não pensava em nada. Tal como seu computador, que trabalhava o dia inteiro com as dezenas de janelas abertas e no final do dia desligava-se sem ter feito absolutamente nada de grandioso, enquanto todos a sua volta acreditavam piamente na produtividade da imagem.
Sentada na beira da calçada terminava seu cigarro. Enquanto a maioria deixava para fumar depois do almoço, ela sempre fumava antes.
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Alexandra Deitos
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