Choveu muito naquela noite,  e quando acordou, Sandrinha  não tinha muito a fazer a não ser recolher um par de brincos de argolas com pingentes de predas azuis que ainda estavam sobre o que antes era um criado mudo. À sua frente não havia mais paredes e as telhas de amianto fininhas de dar dó, caiam sobre seus pés. Gritos misturados a gemidos de dor e um ronco no estomago, faziam-na lembrar do sufoco que foi pra ajudar a retirar os vizinhos dos destroços no ano anterior. Aquilo parecia que nunca ia terminar. Mas fazer o que? Já havia perdido o emprego, a mãe, os dois irmãos mais novos e os pertences no ano passado, e agora pelo visto não teria onde passar a noite quando aquele dia terminasse.
Nunca pode imaginar que a vida tomaria esse rumo. Quando morou na Ilha dos Franceses contemplava diariamente o por do sol mais belo do litoral. Nem na Península de Maraú viu coisa parecida.  A quantidade de pássaros que visitavam o bebedouro do jardim da pousada onde trabalhou junto da sua mãe era uma coisa fantástica. Sandrinha viveu dias intensos na ilha. Estudava de manhã, à tarde fazia renda e a noite, tome a entregar pizzas por um real a viagem. Queria mesmo sendo feliz, mudar de vida. Quem não quer? Mas não pode viver este sonho por completo. Faltava conhecer o pai, tosco, grunhento e bizarro como a mãe o descrevia. Juntou dinheiro largou tudo na ilha e foi, sabendo que poderia tudo acontecer  diferente do planejado.