Era esse o desejo de Sandrinha quando chegou na cidade grande. Mesmo sem ter onde morar e, obviamente sem dinheiro, tentou de tudo durante dois anos. Morou na rua, fugiu da polícia, usou crack, maconha e cheirava cola de sapateiro o dia todo pra esquecer a fome. Sorte foi ter o corpo perfeito, que lhe serviu de ganha-pão, e por outro lado, foi honrado por tanto trabalho. Hoje não esta mais na rua. Tem trabalho direito de manicure no salão da Dona Joana D’arc e mora de aluguel num dois cômodos ajeitadinho nos fundos da casa da patroa. Quando está em casa não faz muita coisa de diferente não. Descansa, cozinha, faz faxina e paquera o filho da espanhola que até agora não percebeu o cortejo dela, ou não quer perceber. A janela do quarto do rapaz fica no corredor que dá acesso a escada que leva a casa da Sandrinha na parte de cima do imóvel. Quando Eça desce as escadas em direção ao portão, necessariamente passa em frente a janela. Noutro dia ela jogou um bilhete escrito num papel amassado: “Queria falar com você”. Mas o rapaz até hoje não falou com ela. Às sextas-feiras Sandrinha se dá ao luxo de ir ao bar tomar umas cervejas e cantar no caraoquê. É lá que se libera das “buchas”, se diverte e dá uns beijos. E dali pro motel, sempre. Mas gosta mesmo é de papear com o Bigode na padaria. Dizem que ele é um cara muito bem informado e que sabe de tudo que acontece na região.
Fiquei um tempão rolando na cama sem pegar no sono. Além da casa ser gelada pra caramba, fiquei pensando que, pra um cara que nem eu, conhecer uma mulher como Leonor era uma grande chance de arrumar a vida.
“Tudo isso pode ser seu. Tudo isso pode ser seu”, parecia ouvir uma voz.
Como não conseguia relaxar, fui tomar um banho. O banheiro, como o resto do apartamento, era bem grande. A banheira ficava do lado da porta. No fundo ainda tinha outro chuveiro cercado por uma cortina plástica. Tive que me conformar em tomar a ducha e não experimentar a banheira, como Leonor tinha pedido.
Depois do banho, resolvi escovar os dentes por causa do bafo de cerveja. Abri a porta espelhada do armarinho e vi três caixas de remédios, uma delas de tarja-preta, o que me encanou um pouco.
Peguei a pasta de dente e, assim que fechei o espelho, vi um vulto atrás de mim. Me virei assustado, mas não vi nada. Um vento mais forte bateu na janela e um ar gelado tomou conta do banheiro. Joguei a pasta na pia e voltei rapidinho pro quarto onde me enfiei embaixo da coberta e continuei sem pregar o olho. Já que daquele mato não saía coelho, pelo menos naquele dia, pensei que seria melhor acordar a Leonor e falar que eu tava vazando, mesmo que fosse andando pra casa. Uns dez minutos depois de ter deitado, vi a luz do corredor acender e, em seguida, a batida na porta.
- Entra.
- Você estava dormindo?, perguntou Leonor, abrindo a porta, com um olho esbugalhado..
- Não. O quê foi?
- Você pode vir comigo?