A campainha não tocou uma única vez. 
Talvez tenham passado apenas dias, talvez tenha completado um mês. A moça deitada, horas e horas do vazio mais repleto que já teve. As sensações ficam indizíveis e nada do que sucedeu fora daquele acontecimento necessitam ser mencionadas.
Então, certo dia, ouvindo a chuva lá fora ela achou que era apropriado verificar sua voz depois de tanto tempo. “A”, disse com uma voz embriagada e totalmente desconhecida por ela mesma, até achou por um momento que a vogal fora imaginada e apenas um ruído de ar tivesse saído de fato. Tentou lembrar de alguma musica, achou que o momento seria digno, porém o pensamento acabou com qualquer possibilidade e apenas veio-lhe um grito.
Aquele foi talvez o grito mais longo que ela deu em toda a vida, mais patético e justificável talvez também. Saiu como o derradeiro passo de um equilibrista na corda bamba minutos antes do vôo forçado em queda livre. 
Ela escutava a própria voz em grito distante, ela escutava a voz da mãe, a voz do pai, a voz de crianças, a voz dos vizinhos, a voz de homens, a voz de mulheres, era um grito apessoal se é que isso pode ser tido como algo que exista. E no mais, ela já não teve controle sobre o fim daquilo que seria sua voz, seu fôlego, era escuro e ainda escutava os timbres e um pouco de eco também. 
Depois da escuridão sim, a campainha tocou.