Salve Júlio César, nome de imperador, corpo de atleta, espírito de porco; esticado à cadeira de sol, óculos escuros e o trabalho de anos boiando à beira da sua piscina. Trança os dedos das mãos sob a nuca, massageia um pé no outro e suspira às avessas, como se expirasse um encargo de deboche.
Quase pega no sono outra vez, o calor firmando por cima do guarda-sol, entre o relaxo e o despacho. Num lapso ainda pula no meio de gráficos, duplicatas e estatísticas de desempenho da empresa. Bate os pés bonachão sobre a lista de inadimplentes e afasta blocos e certificações como se estivesse nadando. Pelo outro lado sai ileso; talvez uma anotação enroscada às costas.
Caminha tranqüilo pingando o short de dormir e, sem calçar o chinelão, vai-se carro adentro e garagem afora. Larga a casa aberta, sai sem a carteira e sem o celular, apenas com um riso sarcástico no retrovisor, como se nada lhe pudesse atingir. Alimenta-se de sossego pelo caminho. O que quer que lhe ocorra de preocupação passa de uma esquina para outra, o que ele faz questão de atropelar. Anda quase toda a manhã, ele e Beethoven, descalço e sem destino pela cidade, como se fosse um adolescente desfilando com o carro do pai.
Volta para casa enfim quando a fome bate de frente, parando atrás do carro da mulher quando o portão se abre finalmente. Tem o tempo de desligar e descer para que venha ela à queima-roupa, expressão de angústia, vociferante:
– Você enlouqueceu, Júlio?