Desce a escadaria de madeira pisoteando a cabeça de um e de outro, o olho ardendo ou de raiva ou de sono. Dá num ambiente da sala de visitas e escolhe a cadeira de balanço para fugir do café da manhã sozinho.
Senta-se. Recosta-se. Respira fundo e só não cospe um pranto entalado na garganta por que homem não chora. Prefere gritar para dentro e gesticular para ninguém. Prefere deixar o pensamento chutando as cadeiras e arrancando as cortinas que balançam suaves com a porta de vidro entreaberta. Prefere levantar-se e se jogar na piscina de short e tudo e escorrer pelo ralo quadrado e cheio de furinhos. Mas só bóia. Bóia a alma, por que o diretor geral, o estagiário, os subalternos, o mecânico da oficina e a ameaça de demissão pularam dele para a água e, de tão pesados, afundaram todos juntos. E o corpo, leve, flutua entre o nada e as bordas com azulejos Portobello.
Fica ali sob o sol forte, o corpo meio submerso, a alma para cima, a vida para baixo. Tem vontade de sair e molhar a casa toda, sentar ao volante pingando, sem lenço nem documento, e dirigir descalço, com o braço para fora feito playboy, sem cinto nem óculos escuros. Tem vontade de passar todos os sinais vermelhos, cruzar as avenidas à toda brida e ganhar um ingresso para outra existência, menos controladora.
Tem vontade, mas não vai. Sai da água de mansinho e se estica na cadeira do guarda-sol até o mormaço secar-lhe as gotas de cloro. Levanta-se e calmamente segue à cozinha, onde se serve de suco de laranja e dos brioches sobre a mesa; sobe e desce as escadas com a maleta da agência nas mãos, senta-se de volta à cadeira, retira a papelada e os documentos separados por ordem de urgência e os atira todos à piscina num único impulso.
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