A figueira de bengala
Natural que escolhesse o dinheiro como profissão, estudando do bom e do melhor, sob as rédeas longas da família. A mãe não trabalhava, mas em casa não ficava, a troco de perda de tempo. Dispunha de um ou dois criados e saía pela cidade, sem hora para voltar.
E Júlio ergueu-se assim, meio filho, meio sozinho, razão pela qual chegar à própria casa, vazia da esposa e dos filhos era mais que um martírio. Queria virar-se do avesso, explodir-se em três júlios para os trazerem de volta imediatamente. Disso não tinha controle, e modelo não era, para exigir que estivessem com ele à sua sombra, aos seus horários e à sua vontade. Mas bem que gostaria.
- Aonde você vai?
- To vazando, falei, abrindo a porta do quarto.
- Não pode ir embora! Não tem como voltar para casa!
- Volto nem que seja a pé, parei pra dizer. - Se você matou a velha ou não, isto é problema seu. Eu é que não fico aqui nem a pau! disse, já no corredor.
– Espere.
Fingi que não ouvi e continuei andando. Quando tava no meio da sala, Leonor pulou nas minhas costas, me deu uma gravata e, com o outro braço, começou a me bater na cabeça e na nuca.
- Você não pode me deixar sozinha, canalha! Não pode, não pode! berrava na minha orelha.
Como Leonor era magricela, aguentei o tranco e continuei em pé até conseguir tirar ela de cima de mim. Tentei segurar seus braços, mas ela era ligeira e escapava sempre. Como não parava de me bater, tive que acabar logo com aquilo.
- Para, assassina! gritei e empurrei ela com força.
Leonor bambeou, dando uns três passos para trás, e caiu de costas, quase batendo a cabeça na parede. Um quadro caiu em cima dela e tombou no seu peito.
- Leonor, chamei. – Leonor.
Minhas pernas tremiam e eu só pensava no tamanho da merda que tinha feito. Não sabia se pedia ajuda - os vizinhos já deviam ter acordado por causa do barraco que Leonor tinha dado - ou vazava antes que alguém aparecesse. Com um puta cagaço, desci pela escada pensando na desculpa que daria na portaria pra sair. O porteiro demorou pra abrir o portão, mas não perguntou nada.
Na rua, depois de correr por umas dez quadras, pensei em voltar quando lembrei de Leonor estirada no chão. Cheguei até a acreditar que ela não tinha mesmo matado a mãe. Mas aquilo não era problema meu. Culpada ou não, Leonor já devia estar fazendo companhia à velha e minha maior preocupação, além de sumir do mapa por uns tempos, era como contar toda aquela fita à polícia, caso me encontrassem algum dia.
- Ela morreu naquela banheira, falei, apontando pro lado do banheiro.
- Como você sabe? perguntou, parando de chorar.
- Foi você que apagou a velha.
- Não!
- Apagou, sim, eu sei.
- Não matei! Ela me deu uma bofetada no rosto só porque peguei os sais de banho errado.
- E você matou ela só por causa disso.
- Eu não matei, eu não matei aquela bruxa! Eu fui embora e ela ficou sozinha. Depois, ela teve um troço e morreu porque não tinha ninguém pra ajudá-la.
Leonor segurou a cabeça e se jogou na cama, meio encolhida como uma criança, com o olho fechado.
– Eu falei: “Foi a última vez que a senhora me bateu” e saí. Quando voltei, ela estava morta. Não foi minha culpa. Por que acha que mataria minha mãe? Você não sabe de nada. Não sabe o que é ter uma mãe que lhe despreza, que lhe tratou a vida inteira como uma criança retardada e não poder fazer nada. Nem ter uma vida normal. Ela sempre me odiou.
- Estou com medo, respondeu.
- Medo de quê, porra?! ele gritou, irritado.
- Da minha mãe, berrou, descontrolada.
- Mas ela não morreu, caramba?
Fez que sim com a cabeça, quase sem forças para continuar em pé.
- E então? Não precisa ter medo, pô!
Leonor enxugou as lágrimas que escorriam pelo rosto e engoliu um soluço antes de continuar:
- Preciso, sim. Desde que morreu, continuo ouvindo mamãe me chamar. Sei que ainda está aqui.
- Você tá me zoando?
- Não, não estou.
Ele segurou os cabelos, pensativo, andou pelo quarto, observando os cantos.
- Você só tá nervosa porque faz pouco tempo que ela morreu, arriscou uma explicação lógica para o medo dela.
- Acha que não cheguei a pensar nisso? disse com um riso quase de ironia. - Não é verdade, ela ainda está aqui. Acabei de ouvi-la me chamar, por isso pedi para você vir aqui.
- Você é doida! Quer dizer que faz dois meses que ela tem aparecido?
- Ela morreu duas semanas atrás. Aqui em casa.
Chegando no quarto, ela fechou a porta devagar como se tivesse mais alguém na casa que pudesse nos pegar em flagrante. O quarto era igual ao que eu tava, mas tinha uma penteadeira velha, lotada de perfumes e uma caixa com mais remédios. Eu não podia perder tempo e cheguei junto.
- Se você não fizesse isso, eu mesmo teria feito, falei, pegando na cintura dela.
- Sai! O que você está fazendo? perguntou, me empurrando.
- Ué, o quê você queria que eu fizesse, gata.
- Espera! Não é o que está pensando, disse, se encostando no armário.
- Como assim? falei, cruzando os braços, meio puto. - Você vai até o meu quarto, me chama pra ficar aqui e diz que não é o que tô pensando. Para com isso, Leonor!
- Não chega perto de mim se não quebro a sua cabeça, ameaçou, pegando o abajur de cima do criado-mudo.
- Tá bom, tá bom. Mas por quê me chamou aqui, então, pô?
Ela fez uma careta e começou a chorar.
O Bigode é um modesto e respeitado balconista. Veio do interior da Paraíba com a promessa de um Plano Collor promissor e conseguiu depois de se estabacar na construção, arrumar um emprego num bar. Depois, abriu o seu próprio estabelecimento com muito suor e com a ajuda de um sócio na Bela Vista, na suja e escura Bela Vista. O bar ia bem mais num assalto, mataram o sócio do Bigode com três balas no peito e ele não teve outro jeito a não ser fechar o bar. Hoje serve o balcão da padaria onde atende os mais estranhos clientes e alguns pacientes sentimentais que acabam se tornando amigos do nordestino. Ele conta alguns causos e o pessoal entre um gole e outro, esquece dos problemas e se encanta com o carisma. Isso aconteceu com a Sandrinha que encontrou no balcão, um amigo.
Foi vomitando a culpa do banco, ao que Júlio deixava correr. Mais fácil pensar àquela altura era que todos eles tinham razão. Impaciência de cliente era dose diária na carreira e um prego na cruz. Mas a moça tinha a sua beleza: mantinha o queixo erguido embora a alma estivesse notadamente combalida. Falava grosso com sua voz fina, dava indícios de plantar granadas da bolsa ou pisotear o velhinho que se adiantava à ela na fila. Cercado de regras, burocracia e seguranças, Júlio por um instante considerou atrevimento o que ela foi capaz de lhe dizer, sendo o maior responsável pela agência.
– Não. O senhor vai me atender agora, porque eu estou tentando resolver esse problema há um bom tempo! E como o assunto é de cobranças indevidas, creio que a situação pode ficar bem ruim para o senhor.
Júlio sorri. Ofereceu assento e cafezinho para a moça, talvez uma água gelada. Olhou-a com ternura; talvez estivesse perdida no mundo, ladrando feroz como poodle de madame. Seu instinto masculino se acendeu, mais viril que paternal, mais traste que humano e mais adúltero que bom marido, o que o retrato sobre a mesa desmentia. Mal desse uma entrada e Júlio se disporia a uma cantada leve e rasteira que o seu diabinho lhe soprava na orelha. E olhava a moça de longe, enquanto atendia o velhinho da fila.
E a moça esperando, bufando. E lendo. Arrancara da bolsa qualquer coisa que mal poderia compreender. Mais olhava para os lados, balançava a cabeça, movia pés e mãos em frenesi. Eram indícios de baixaria, que Júlio também pensava em contornar. Até que ela se levanta. Decidida, de livro em punho, bolsa armada, antes que pudesse atendê-la.
– Senhor – disse, aguardando o desvio de atenção que ele dispensava ao atendimento de outra cliente – creio que o péssimo atendimento dessa agência me obriga a recorrer a outros meios para solucionar meu problema. Passe bem.
“Tudo isso pode ser seu. Tudo isso pode ser seu”, parecia ouvir uma voz.
Como não conseguia relaxar, fui tomar um banho. O banheiro, como o resto do apartamento, era bem grande. A banheira ficava do lado da porta. No fundo ainda tinha outro chuveiro cercado por uma cortina plástica. Tive que me conformar em tomar a ducha e não experimentar a banheira, como Leonor tinha pedido.
Depois do banho, resolvi escovar os dentes por causa do bafo de cerveja. Abri a porta espelhada do armarinho e vi três caixas de remédios, uma delas de tarja-preta, o que me encanou um pouco.
Peguei a pasta de dente e, assim que fechei o espelho, vi um vulto atrás de mim. Me virei assustado, mas não vi nada. Um vento mais forte bateu na janela e um ar gelado tomou conta do banheiro. Joguei a pasta na pia e voltei rapidinho pro quarto onde me enfiei embaixo da coberta e continuei sem pregar o olho. Já que daquele mato não saía coelho, pelo menos naquele dia, pensei que seria melhor acordar a Leonor e falar que eu tava vazando, mesmo que fosse andando pra casa. Uns dez minutos depois de ter deitado, vi a luz do corredor acender e, em seguida, a batida na porta.
- Entra.
- Você estava dormindo?, perguntou Leonor, abrindo a porta, com um olho esbugalhado..
- Não. O quê foi?
- Você pode vir comigo?
Com isso teria então mais tempo para cuidar de suas coisas.
Na sala, tinha umas esculturas de bronze e umas estátuas de mármore que pareciam roubadas de um cemitério e os móveis antigos de madeira e as cortinas, que balançavam com o vento, me fizeram sentir num daqueles filmes de terror que assistia quando era pivete. Na parede do corredor tinha um quadro de uma mina super bonita com cara séria.
- Sua mãe? perguntei.
Leonor fez que sim com a cabeça sem olhar pro retrato.
Elogiei o apê, sem falar, claro, daqueles troços macabros que me encanaram, enquanto ela me levava pelo corredor até o quarto. Havia três quartos e ela me deixou no último, em frente ao banheiro; o dela era o primeiro; o outro, o que tinha sido da velha.
- Se quiser tomar banho fique à vontade. Tem toalhas limpas na primeira gaveta do armário. Só não tenho nenhuma roupa para lhe emprestar, disse.
- Não tem problema, eu me viro. Valeu!
- Ah, se for tomar banho, use o chuveiro. A banheira está com um vazamento.
- Beleza.
Senta-se à mesa cercado da mulher e dos filhos, enquadrados em meia dúzia de sorrisos que permanecem felizes apenas por um segundo. A solidão era tanta que mais pareciam senadores da oposição julgando os seus atos entre olhares de soslaio. Logo lhe vem dois ou três subalternos, quase ao mesmo tempo com os mesmos defeitos: eram incapazes de resolver aquilo sozinhos. Ao mesmo tempo tocam os telefones, clientes se aproximam e a paciência de Júlio se afasta. Seu rosto se enrubesce e sua vista se turva enquanto aquela platéia cativa se estanca à espera de respostas.
Na mesa ao lado a colega sabe o que se passa, enquanto rabisca o bloquinho de rascunhos. Acompanha a tudo do majestoso par de olhos verdes, ela e o garotão da outra agência, pendurados os dois à linha 1.
– Hoje vai ter –diz a moça, baixinho.
- Caraca, véio! Você sabe o que é bom, hein? falei, quase sem acreditar, quando vi o opalão quatro portas dela no estacionamento mais boqueta que já tinha visto na vida.
“Tô indo bem com a tiazinha. Não posso perder esta chance”, pensava ao volante enquanto engatava um papo furado atrás do outro.
Tava mais tranquila quando chegamos. Morava num prédio antigo de seis andares num bairro grã-fino da cidade. Entramos direto pela garagem e eu fiquei meio perdido. Não sabia se devia cair pra dentro logo de cara e arriscar dar mais um fora ou se ia pra casa sem fazer porra nenhuma e ficar pensando no monte de coisas que devia ter feito. Só sei que era eu quem tinha que decidir porque Leonor era bem devagar.
- É isso aí, chegamos.
- É... disse encabulada.
- Acho que tá na minha hora.
- Você é quem sabe. Então, muito obrigada, falou, me estendendo a mão.
Aquele agradecimento me quebrou as pernas. Esperava que ela me convidasse pra entrar, pelo menos por educação, em vez de me despachar na maior. Assim que soltei a mão dela, vi o relógio e foi o que me salvou.
- Pô, que horas são?
- Meia-noite e quinze.
- Puta merda! Não tinha reparado nas horas. Perdi o último busão.
Leonor ficou muda, parecia que não tinha entendido, acho que nunca precisou pegar um ônibus.
- Já era! Vou ter que ficar na rua, falei, dando um tapa na coxa de raiva.
- Se quiser, pode dormir em casa hoje.
- Sou motorista, mas, no momento, tô parado.
- Hum, hum.
Antes que me perguntasse mais alguma coisa, falei de estalo:
- Já foi casada?
Ela pipocou, mas respondeu:
- Não.
- Nunca conheceu alguém legal?
- É...
Ficou pensativa como tava antes de eu chegar e saquei que aquela não era toda a história.
- Quer dizer, conheci, mas mamãe nunca aprovou minhas escolhas, desembuchou.
- Ah, sei. Você confiava nos palpites dela.
- Acho que sim, disse, baixando a cabeça meio envergonhada.
- Deve tá sendo f... quer dizer, uma barra pra você.
De repente, Leonor levantou a cabeça, os olhos meio vermelhos, e começou a chorar.
- Preciso ir para casa.
- Claro, claro, mas fica fria. A gente vê isso, a gente vê isso.
Me senti um otário por ter estragado nossa conversa quando perguntei da velha. Não tinha nada que falar da dita-cuja. Tava indo bem, tinha conseguido saber várias paradas da vida de Leonor e tudo ia pro saco por minha culpa.
Quase pega no sono outra vez, o calor firmando por cima do guarda-sol, entre o relaxo e o despacho. Num lapso ainda pula no meio de gráficos, duplicatas e estatísticas de desempenho da empresa. Bate os pés bonachão sobre a lista de inadimplentes e afasta blocos e certificações como se estivesse nadando. Pelo outro lado sai ileso; talvez uma anotação enroscada às costas.
Caminha tranqüilo pingando o short de dormir e, sem calçar o chinelão, vai-se carro adentro e garagem afora. Larga a casa aberta, sai sem a carteira e sem o celular, apenas com um riso sarcástico no retrovisor, como se nada lhe pudesse atingir. Alimenta-se de sossego pelo caminho. O que quer que lhe ocorra de preocupação passa de uma esquina para outra, o que ele faz questão de atropelar. Anda quase toda a manhã, ele e Beethoven, descalço e sem destino pela cidade, como se fosse um adolescente desfilando com o carro do pai.
Volta para casa enfim quando a fome bate de frente, parando atrás do carro da mulher quando o portão se abre finalmente. Tem o tempo de desligar e descer para que venha ela à queima-roupa, expressão de angústia, vociferante:
– Você enlouqueceu, Júlio?
— Venha querida, venha ver a casa que será nossa. Espero que goste! – e estendeu a mão para uma mulher bonita de trajes finos e delicados que seria sua esposa, posição que Noêmia rejeitou um dia.
Leo percebeu que Noêmia já tinha superado a separação e que mantinha o hábito pela mesma leitura, e comentou:
— Vale do medo é um ótimo romance! Doyle usou a mesma técnica em Um estudo em vermelho. Se não leu, leia, pois estou certo de que vai apreciar o desfecho - disse ao se despedir acrescentando – “foi um prazer revê-la saudável e com brilho nos olhos”.
Ele sempre observador, não parecia ter mudado. Mas ela sabia que agora seria Rosana que iria dividir com ele a esteira listrada na praia de Ubatuba.
Senta-se. Recosta-se. Respira fundo e só não cospe um pranto entalado na garganta por que homem não chora. Prefere gritar para dentro e gesticular para ninguém. Prefere deixar o pensamento chutando as cadeiras e arrancando as cortinas que balançam suaves com a porta de vidro entreaberta. Prefere levantar-se e se jogar na piscina de short e tudo e escorrer pelo ralo quadrado e cheio de furinhos. Mas só bóia. Bóia a alma, por que o diretor geral, o estagiário, os subalternos, o mecânico da oficina e a ameaça de demissão pularam dele para a água e, de tão pesados, afundaram todos juntos. E o corpo, leve, flutua entre o nada e as bordas com azulejos Portobello.
Fica ali sob o sol forte, o corpo meio submerso, a alma para cima, a vida para baixo. Tem vontade de sair e molhar a casa toda, sentar ao volante pingando, sem lenço nem documento, e dirigir descalço, com o braço para fora feito playboy, sem cinto nem óculos escuros. Tem vontade de passar todos os sinais vermelhos, cruzar as avenidas à toda brida e ganhar um ingresso para outra existência, menos controladora.
Tem vontade, mas não vai. Sai da água de mansinho e se estica na cadeira do guarda-sol até o mormaço secar-lhe as gotas de cloro. Levanta-se e calmamente segue à cozinha, onde se serve de suco de laranja e dos brioches sobre a mesa; sobe e desce as escadas com a maleta da agência nas mãos, senta-se de volta à cadeira, retira a papelada e os documentos separados por ordem de urgência e os atira todos à piscina num único impulso.
Enquanto ele se vai na expectativa de revê-la em outro dia, ela atravessa correndo a rua, ultrapassa os limites da praça sem verde entra ritualisticamente na padaria e senta ao lado do figurão da TV que dava entrevista tomando café no balcão de mármore chique.
- Vai querer o que hoje Sandrinha? - perguntou desinteressado o balconista.
- Guaraná com uma rodela de laranja e gelo. Puta calor hoje né?
- Num tá fácil.
Olhou mais curiosa pro lado e percebeu que dessa vez o figurão da não estava tomando café. Voltou-se ao balconista.
- Bigode, o que deu nele hoje?
- Sei lá. Já comeu cinco pedaços de pizza e tomou quatro chopes.
- Então tá! Num dá pra entender gente essa gente da tv. Cada dias eles tão numa diferente. Cê já viu a roupa que esse povo usa Bigode?
- Tudo esquisito né?
- Só é! Bota aí o guaraná que eu vou fazer xixi.E saiu a Sandrinha de novo descendo o indicador e o polegar na altura da bunda.
Mesmo me vendo chegar, ela tomou um puta susto. Não tava esperando que eu puxasse conversa. Deu um pulo na cadeira segurando o peito.
- Opa, foi mal aí, não queria assustar você.
- Não, não foi nada. Eu é que tava distraída.
- Sei. Tá esperando alguém? perguntei, puxando a cadeira.
Não tava e me deixou ficar, apesar de me olhar meio desconfiada. Chamava Leonor e, aos poucos, foi se soltando quando viu que eu era firmeza. Nem precisou falar muito pra eu ganhar a fita: era uma mulher insegura e carente. Falava sobre um monte de coisa ao mesmo tempo, sempre simpática, só queria companhia e, quem sabe, um cara que nem eu, que pudesse resolver o seu problema.
Disse que era dona de uma loja de antiguidades. “Legal, ouvi falar que isso dá um bom dinheiro”, pensei. Morava sozinha, a mãe tinha morrido uns dois meses antes. Era filha única, tinha feito Direito, mas nunca foi advogada porque não tirou uma carteira ou, sei lá, um troço que não entendi muito bem. Desde menina tinha ajudado o pai na loja e assumiu o negócio depois que ele empacotou, pelo que falou, há uns quinze anos.
“Rica, coroa e sozinha”, pensava, sempre rindo, bebendo e fumando enquanto dava mais corda em Leonor . “Sorte a sua, dona, ter me conhecido antes de outro espertão”.